domingo, 6 de junho de 2010

História de “Javé”

Por Denilson d'Almeida

O cenário é típico do sertão brasileiro. Num vilarejo distante que além de ser castigado por fatores naturais, como a seca e escassez de chuva, sofre com a pobreza de uma população esquecida pelo poder público. Vale do Javé, como é chamada, está prestes a ser inundada devido a construção de uma represa que será responsável pelo "progresso" de outras cidades do país. Para evitar que Javé seja alagada e leve para o fundo toda a cultura, as crenças e os saberes que são contados de geração a geração, de boca a boca: precisam provar que a cidade possui um valor histórico a ser preservado. Como documentar o imaginário de povoado analfabeto rico em histórias de crendices?

O único morador instruído em Javé é funcionário dos correios, Antônio Biá, um popular "trapalhão" que, de início, não se importa com as histórias que o povo conta, menospreza a sabedoria popular. E quando se dá conta da riqueza cultural daquele povo já é tarde demais o progresso já atingira o Vale do Javé apagando a memória e a existência daquela cidade, daquelas pessoas.

"Nesse contexto, o filme aborda diversos temas como, a formação cultural de um povo; heranças históricas; crenças; valores; oposição entre memória, história, verdade e invenção; importância da oralidade na construção cientifica; dimensão da escrita e da fala; confronto entre o progresso e as tradições do vilarejo"

(PAIXÃO, Manuela Rocha. Resenha crítica do filme Narradores de Javé)

Não muito distante da ficção, o filme Narradores de Javé (2003), da diretora Eliane Caffé, aborda uma realidade muito comum ao se discutir, por exemplo, um tema como construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte que dentre os prejuízos que este "progresso" vai trazer está a perda das tradições de indígenas e ribeirinhos.

A Eletronorte afirma que a área em que a barragem será construída é formada por pedras e improdutiva, logo não habitada. Porém, muita sujeira está escondida de baixo do tapete quando o assunto é Belo Monte. Quem não lembra de 20 de maio de 2008 quando o engenheiro da Eletrobrás Paulo Rezende, num Encontro realizado no Xingú, foi atacado por índios Kaiapó armados de facões? O fato é que nenhum jornal e muito menos alguma emissora de televisão mostrou que a provocação começou por parte do próprio engenheiro que falou que Belo Monte ia sair do papel "quer vocês queiram ou não" referindo-se ao índios. Qual a relação, afinal, a mídia tem, para não divulgar esta frase forte do engenheiro? No final de tudo, os índios foram tidos como os selvagens em pleno o século XXI.

Hoje, a construção da Usina de Belo Monte está inserida dentro de um cenário conflituoso entre o desenvolvimentismo do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal e os interesses das comunidades indígenas, ribeirinhos e demais membros da sociedade cívil preocupada com as causas ambientais. Cenário este retratado por um estudo do Instituto Sociambiental – ISA – que mostrou que 44% dos 300 mil nativos que vivem na Amazônia serão afetados pela construção de hidrelétricas.

Só nos resta saber quais saberes indígenas iremos conhecer depois que todas as usinas que o governo brasileiro planeja em contruir saírem do papel, qual o conhecimento de pesca e de navegabilidade iremos aprender com os ribeirinhos uma vez que o progresso está tratando de afundá-las?

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